quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Como responder ao ebola

Por Jeffrey Sachs A terrível epidemia de ebola em pelo menos quatro países da África Ocidental (Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria) exige não apenas uma resposta emergencial para estancar o surto; também exige repensar algumas suposições básicas sobre a saúde pública mundial. Vivemos em uma era de doenças infecciosas emergentes e reemergentes, que podem disseminar-se rapidamente pelas redes globais. Portanto, precisamos de um sistema global de controle de doenças compatível com essa realidade. Felizmente, um sistema nesses moldes é algo dentro de nosso alcance, caso invistamos apropriadamente. O ebola é a mais nova entre as várias epidemias recentes, entre as quais também estão a aids, a síndrome respiratória aguda grave (Sars, na sigla em inglês), e as gripes H1N1 e H7N9, entre outras. A aids é a mais mortal de todas, tendo sido responsável por 36 milhões de mortes desde 1981. Há quatro fatos cruciais sobre o ebola e outras epidemias. O primeiro, a maioria das doenças infecciosas emergentes é de zoonoses, o que significa dizer que começam em populações animais, algumas vezes com mutações genéticas que lhes permitem passar para os seres humanos. O ebola pode ter sido transmitido por morcegos; o HIV/aids emergiu de chimpanzés; a Sars muito provavelmente veio de almiscareiros negociados em mercados de animais no sul da China; e variantes de gripe, como H1N1 e H7N9, surgiram de recombinações genéticas de vírus entre animais de fazenda e animais selvagens. O surgimento de novas zoonoses é inevitável à medida que a humanidade forçar o ingresso em novos ecossistemas, a indústria alimentícia criar mais condições para recombinações genéticas e as mudanças climáticas bagunçarem os habitats naturais e as interações de espécies O surgimento de novas zoonoses é inevitável à medida que a humanidade forçar sua entrada em novos ecossistemas (como regiões florestais remotas); a indústria alimentícia criar mais condições para recombinações genéticas; e as mudanças climáticas bagunçarem os habitats naturais e as interações de espécies. Segundo, uma vez que uma nova doença infecciosa surge, é provável que sua disseminação por meio das empresas aéreas, navios, megacidades e comércio de produtos animais seja extremamente rápida. Essas doenças epidêmicas são novos indicadores da globalização, que revelam em sua cadeia de mortes até que ponto o mundo se tornou vulnerável à movimentação generalizada de pessoas e bens. Terceiro, os pobres são os primeiros a sofrer e os mais afetados. Os pobres em zonas rurais vivem mais perto dos animais infectados que começam a transmitir a doença. Frequentemente caçam e comem animais selvagens, o que os deixa vulneráveis a infecções. Os pobres, muitas vezes analfabetos, geralmente não sabem como as doenças infecciosas - especialmente, doenças pouco conhecidas - são transmitidas, o que aumenta muito a probabilidade de que sejam infectados e de que infectem outros. Além disso, dada a má nutrição e a falta de acesso a serviços básicos de saúde, seus sistemas imunológicos debilitados são facilmente sobrepujados por infecções às quais pessoas mais bem nutridas e tratadas poderiam sobreviver. E as condições médicas insuficientes tornam os surtos iniciais mais graves. Por fim, as respostas médicas, como as ferramentas de diagnóstico e as medicações e vacinas eficazes, inevitavelmente são insuficientes. E essas ferramentas precisam ser continuamente reabastecidas. Isso requer biotecnologia e imunologia de ponta e, em última medida, bioengenharia para criar respostas industriais de grande escala (como milhões de doses de vacinas ou medicamentos, no caso de grandes epidemias). A crise da aids, por exemplo, exigiu dezenas de bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento - e compromissos igualmente significativos da indústria farmacêutica - para produzir drogas antirretrovirais em escala mundial para salvar vidas. Cada inovação, no entanto, inevitavelmente leva à mutação do elemento patogênico, tornando os tratamentos anteriores menos eficazes. Não há uma vitória definitiva, apenas uma corrida armamentista constante entre a humanidade e os agentes causadores de doenças. Portanto, será que o mundo está pronto para o ebola, para alguma nova gripe letal, para uma mutação do HIV que possa acelerar a transferência da doença ou para o desenvolvimento de novas variantes da malária ou de outros elementos patogênicos resistentes a várias drogas? A resposta é não. Embora os investimentos em saúde pública tenham aumentado de forma substancial depois do ano 2000, levando a notáveis sucessos na luta contra a aids, tuberculose e malária, houve recentemente uma queda acentuada nos gastos internacionais com saúde pública em relação à necessidade. Os países doadores, sem antecipar-se nem responder adequadamente aos novos desafios em curso, sujeitaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a um aperto orçamentário que debilita a instituição, enquanto o financiamento para o Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, Tuberculose e Malária ficou bem abaixo das quantias necessárias para ganhar a luta contra essas doenças. Aqui segue uma pequena lista do que precisa ser feito com urgência. Primeiro, os EUA, a União Europeia, os países do Golfo Pérsico e do Leste da Ásia deveriam criar um fundo flexível sob o comando da OMS para combater a atual epidemia de ebola, provavelmente com um patamar inicial entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões, dependendo dos novos desdobramentos. Isso permitiria uma rápida resposta de saúde pública compatível com os desafios imediatos. Segundo, os países doadores deveriam rapidamente expandir tanto o orçamento do Fundo Mundial quanto sua alçada, para que se torne um fundo de saúde mundial para países de baixa renda. O principal objetivo seria ajudar os países mais pobres a estabelecer sistemas de saúde básicos em cada favela ou comunidade rural, um conceito conhecido como Cobertura Universal de Saúde. A maior urgência está na África Subsaariana e no sul da Ásia, onde as condições de saúde e pobreza extrema são piores e doenças infecciosas controláveis e evitáveis continuam a alastrar-se. Em particular, essas regiões deveriam treinar e mobilizar um novo grupo de trabalhadores de saúde comunitária para reconhecer os sintomas das doenças, para proporcionar supervisão, fazer diagnósticos e administrar tratamentos apropriados. A um custo de apenas US$ 5 bilhões por ano, seria possível assegurar que funcionários da área de saúde bem treinados estivessem presentes em cada comunidade africana, salvando vidas e respondendo de forma eficaz a emergências sanitárias como o ebola. Por fim, os países de alta renda devem continuar a investir adequadamente na vigilância mundial de doenças, na capacidade de alcance da OMS e em pesquisas biomédicas que salvem vidas, que nos últimos cem anos trouxeram benefícios em massa para a humanidade. Apesar do aperto nos orçamentos nacionais, seria imprudência colocar nossa própria sobrevivência no mesmo bloco dos cortes fiscais. Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É também assessor especial do secretário-geral das Nações Unidas no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2014. www.project-syndicate.org

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